A Secretaria de Saúde do Ceará e o Ministério da Saúde confirmaram a morte de uma criança de um 1 e três meses causada pela infecção de um protozoário conhecido como “ameba comedora de cérebro”. O caso raro aconteceu em 19 de setembro na cidade de Caucaia – região metropolitana de Fortaleza –, mas os exames laboratoriais foram concluídos agora.
Essa é a segunda ocorrência registrada no Brasil. O primeiro caso foi na década de 70, em São Paulo. A menina morreu poucos dias após o diagnóstico de meningoencefalite amebiana primária, causada pelo micro-organismo de nome científico Naegleria fowleri.
Ao Estadão, o secretário-executivo de Vigilância em Saúde da Secretaria da Saúde do Ceará, Antônio Lima Neto, contou que, no dia 12 de setembro, a criança foi levada à Unidade Básica de Saúde (UBS) apresentando sintomas como febre e dor de garganta, semelhantes aos de uma amigdalite ou virose.
Com o passar dos dias, os sintomas persistiram e a criança passou a apresentar vômitos e sinais de problemas neurológicos, como irritabilidade e sono. O quadro levou a equipe médica a desconfiar de meningite, sem causa definida. O bebê foi, então, encaminhado para o hospital de referência Albert Sabin, mas os sintomas pioraram. A menina faleceu na instituição no dia 19 de setembro, sete dias após o início dos sintomas.
Em seguida, segundo Lima Neto, a partir da autorização da família, uma necrópsia foi realizada pelo Serviço de Verificação de Óbito (SVO), a fim de revelar a causa exata da morte. Com o exame, foi possível chegar ao diagnóstico de meningoencefalite amebiana.
Além disso, amostras do encéfalo da paciente foram encaminhadas para o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, que confirmou, por meio do teste de PCR (Reação em Cadeia da Polimerase), que o agente causador da doença era a Naegleria fowleri.
O parasita também foi encontrado em uma amostra de água da cisterna da comunidade rural em que a criança vivia e era abastecida por um açude. A hipótese é de que ela tenha se contaminado após inalar a água infectada durante o banho. Outros moradores do assentamento não apresentaram sintomas.
Após o caso, o Ministério da Saúde emitiu um alerta de evento nacional. Segundo a pasta, foram realizadas ações para aplicação de pastilhas de cloro na água da região, além de reuniões com a comunidade para fornecer orientações sobre desinfecção do reservatório de água. Lima Neto também conta que os sistemas de água do assentamento foram substituídos.
O que é como ocorre a infecção
A Naegleria fowleri é uma ameba que vive livremente no meio ambiente. Ela é encontrada em águas doces, principalmente quentes, como lagoas, açudes, rios e fontes termais. A infecção ocorre por via nasal, a partir da inalação e aspiração de água pelo nariz – o que acontece com maior frequência durante mergulhos.
A transmissão unicamente por via nasal é um dos motivos capazes de explicar por que o quadro é considerado tão raro. O biólogo Danilo Ciccone Miguel, pesquisador e professor associado de parasitologia do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), destaca que beber a água contaminada, por exemplo, não causa problemas. É que o protozoário não resiste à acidez do sistema digestivo.
Mas, uma vez nas narinas, a ameba migra pelo nervo olfatório até o cérebro, onde causa destruição do tecido cerebral e inflamação do encéfalo e das meninges – daí porque recebe o nome de “comedora de cérebro”.
O biólogo também explica que a maioria dos casos ocorre entre crianças, o que é justificado pelo maior uso recreativo de lagos, rios, etc. Além disso, os pequenos têm pouca capacidade de controlar a respiração debaixo da água, o que leva à aspiração do líquido.
Qual a incidência?
Em geral, as infecções cerebrais causadas por Naegleria fowleri são muito raras, mesmo em áreas onde a ameba está presente. Apesar disso, especialistas alertam para a subnotificação.
Segundo Ivo Castelo Branco, infectologista e coordenador do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Ceará (UFC), outros casos, especialmente nas décadas passadas, foram relatados no Ceará e no Brasil, mas não entraram na contagem do Ministério da Saúde, possivelmente por não terem passado por testes mais precisos, como o PCR – embora tenham sido identificados pelas equipes médicas.
Além disso, ele destaca que a subnotificação ocorre porque o diagnóstico, em geral, é muito difícil, já que a doença evolui rapidamente para a morte e os sintomas se confundem com os de outras condições. Outro ponto levantado por Castelo Branco é que os casos costumam acontecer entre crianças, que tendem a não apresentar sintomas clássicos de meningite, como rigidez muscular.
Ciccone observa que outros países – como Estados Unidos e México – têm reportado cada vez mais casos. De acordo com o biólogo, isso pode ser justificado pela maior atenção ao diagnóstico ou pelo fato de que essas amebas tendem a se manter em forma de cisto em climas frios, mas, quando a temperatura das águas aumenta, elas se tornam ativas e podem causar infecções – o que tem sido favorecido pelo aquecimento global.
Diagnóstico e tratamento
A Secretaria de Saúde do Estado do Ceará informa que o diagnóstico pode ser realizado por meio de diferentes exames complementares, como PCR, imunohistoquímica ou exame microscópico do líquido cefalorraquidiano.
Em caso de suspeita diagnóstica, recomenda-se contato imediato com a Vigilância em Saúde Municipal e Estadual, além de encaminhamento do paciente para um hospital de referência estadual.
Ciccone alerta que, para evitar um óbito, o diagnóstico deve ser muito rápido, o que normalmente não é possível. Além disso, uma combinação de medicamentos pode ser utilizada para o tratamento de infecções, como azitromicina e fluconazol, mas não há um protocolo bem estabelecido.
“Geralmente, o diagnóstico é pós-morte, porque ela evolui tão rápido que não dá tempo de tratar. Os médicos tentam tratar com drogas pra matar outras amebas, mas os casos de sucesso são super baixos”, diz o biólogo. Existem apenas cinco casos bem documentados de sobreviventes de meningoencefalite amebiana primária na América do Norte.
Cuidados
Embora seja uma condição rara, Ciccone e Castelo Branco destacam alguns cuidados essenciais para evitar essa infecção:
- Certifique-se de que a água utilizada para banho seja devidamente tratada, com aplicação de cloro;
- Evite utilizar água de fontes desconhecidas ou não tratadas, especialmente em regiões sem saneamento básico adequado;
- Ao nadar em lagos e açudes ou piscinas em que não se tem certeza se foram tratadas, use prendedores nasais ou evite entrar com a cabeça debaixo da água;
- Não faça lavagem nasal com água da torneira, utilize somente água esterilizada, fervida ou soro fisiológico;