Se eu falasse sobre um passeio pelo centro velho de São Paulo feito tarde da noite e com ponto de encontro na frente do Cemitério da Consolação, você toparia? À primeira vista, realmente não parece bom negócio, eu entendo. Mas, acredite, a aventura vale a pena. O Estadão encarou o passeio do Haunted Tour São Paulo e conta abaixo como é a experiência.
Por ser conhecida como a cidade que nunca dorme, São Paulo carrega diversas histórias em seus 470 anos: romance, terror, tragédia, comédias e crimes. Mas são naquelas memórias que mais geraram impactos na sociedade que as lendas urbanas residem e, independente de novas ou antigas, ainda conseguem ressaltar as sombras do passado e abrir espaço para uma reflexão do cotidiano.
“A ideia era fazer um passeio ligado aos fatos históricos da cidade mas também à negligência humana. Então na prática, não é sobre terror, mas uma crítica social sobre as assombrações da mente humana”, resume o jornalista e ator Rogério Cantoni, criador do tour.
Tudo começou, como peça teatral, em 2011, até se transformar em City Tour – tanto para que os paulistanos conheçam melhor sua cidade quanto para turistas entenderem mais sobre São Paulo.
“Desde o começo, queria que esse fosse um tour que saísse do convencional e que fizesse com que as pessoas absorvessem o conteúdo de forma lúdica e refletissem sobre a cidadania”, conta Cantoni.
Justamente por isso é algo diferente dos tours internacionais que exploram as tragédias das histórias de determinadas cidades, como em Nova Orleans, Nova Iorque e Londres.
Ao entrar no ônibus, somos recebidos por Ângelo (interpretado pelo próprio Rogério Cantoni), um fantasma que sonha em ser artista e conta as histórias paulistanas tanto em formato de poesia quanto em canções originais – todas compostas por Marcelo Giorgi. Há quem seja recebido também por Ethernya (interpretada pelo ator David Carolla), que reveza com o parceiro e gosta de ser debochada e detalhista em suas performances.
Os passeios sempre são aos sábados, com dois roteiros diferentes: um que sai às 19h e outro com partida às 21h30. E apesar de bastante parecidos, têm um ou outro ponto diferente. Além disso, ambos duram cerca de 1h30 e têm ponto de partida e chegada no Cemitério da Consolação.
Importante dizer que eles também são panorâmicos, sem visitações internas, mas com paradas na calçada para que, através das janelas, os turistas possam observar os detalhes de cada história.
Nos últimos 12 anos, os passeios já tiveram diversos formatos. Houve uma época que tinham descidas em pontos turísticos e até uma fase de viagens feita com especialistas que acompanhavam o tour – como arqueólogos, historiadores, urbanistas, policiais civis – para contar mais profundamente algumas histórias e até falar sobre questões de segurança e cidadania.
Hoje apostam nas histórias contadas pelos guias – cada qual do seu jeito -, além de apresentações em vídeo que aprimoram os detalhes contados.
“Tudo que São Paulo nos traz para reflexão no dia a dia abordamos no tour: de violência contra a mulher, racismo, pessoas em situação de rua”, exemplifica Cantoni.
Ao mesmo tempo que escutamos a história sobre o Theatro Municipal, vemos nas suas calçadas e perceber pessoas com frio e fome na rua.
Sensação parecida ocorre quando aprendemos mais sobre a origem do bairro da Liberdade e com ela a história de Chaguinhas – soldado militar negro enviado para a forca por reivindicar seus direitos.
Por conta da complexidade dos assuntos, não é aconselhada a participação de crianças pequenas. Mas elas são aceitas, claro, se os pais ou responsáveis se responsabilizarem.
Apesar das críticas e reflexões, “o passeio tem a intenção de ser bem humorado, para que o conteúdo marque as pessoas”, diz Cantoni, que entretém o público praticamente sozinho durante todo o tour.
Não à toa, o passeio já recebeu mais de 35 mil pessoas. E se duvida de mim, acredite nos dois ônibus de 42 lugares que estavam lotados com pessoas ansiosas para fazer o tour mesmo com chuva e trânsito, no dia em que o Estadão fez o passeio.