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Dentistas das antigas: atendendo em casa, odontogeriatras podem prevenir doenças graves em idosos

by Medicina Saúde
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Entre as 23 especialidades odontológicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), há uma com futuro potencialmente promissor: a odontogeriatria. Dedicada ao estudo e ao tratamento de toda a estrutura bucal do idoso, ela não só cuida de distúrbios que afetam os dentes e a boca, como pode fornecer uma gama de informações sobre a saúde global de uma clientela que só cresce, influenciando sobremaneira no seu bem-estar geral.

Ao combater placas bacterianas, por exemplo, o profissional é capaz de evitar a pneumonia aspirativa, quando uma dessas bactérias pode migrar para o pulmão e levar inclusive à morte. Cuidar do periodonto – os tecidos que envolvem e sustentam os dentes, como a gengiva – pode diminuir a incidência de doenças cardiovasculares, como infarto e AVC. Com a extração de um dente, por sua vez, é possível equilibrar um diabetes descompensada ou suprimir uma crise de artrite, justamente por eliminar um foco de infecção que pode ter passado despercebido.

A questão é que a ida ao consultório do dentista tem sido um impeditivo importante para essa população. Tal oferta de serviço costuma esbarrar na falta de mobilidade dos idosos, especialmente daqueles que têm 80 anos ou mais, e não raramente estão acamados, com demência, em cadeira de rodas ou simplesmente não contam com acompanhantes disponíveis. Por isso, os odontogeriatras vêm sendo chamados para atendimento em domicílio, o que lhes dá um diferencial maior.

As dentistas Márcia Borghi Moreira da Silva Carvalho e Thais Giordano Mesquita foram pioneiras nesse serviço domiciliar em São Paulo. Há 14 anos, carregam seus carros com maletas de diversos tamanhos recheadas de gaze, luvas, máscaras, aventais, algodão, fios de sutura, tesouras, agulhas, seringas, anestésicos, materiais restauradores (como resinas), itens para moldagem de próteses, mordedores, fotóforo (aparelho que, preso à testa do profissional, provê um foco de luz). Tudo embalado e esterilizado. O consultório ambulante ainda conta com dois sugadores, um raio-x portátil, um ultrassom para limpeza mecânica e um motor.

Todo esse arsenal lhes permite fazer limpezas, restaurações, tratamentos de canal, próteses e até extrações simples em domicílio. De novembro de 2023 a novembro de 2024, a dupla atendeu 82 pacientes, a maioria com mais de 80 anos, alguns centenários. No período anterior, de fim de 2022 até novembro de 2023, foram 68 os atendidos. “O que a gente mais faz na casa dos pacientes é limpeza dentária”, diz Márcia, “até porque, sem ela, muitas vezes é impossível avaliar o que se mostra mais urgente.”

Há 14 anos, a odontogeriatra Márcia Borghi atende idosos em domicílio. Foto: Taba Benedicto/ Estadão

As odontogeriatras costumam ser acionadas pela família dos idosos quando um parente ou cuidador percebe sintomas de dor na pessoa idosa e intui, mesmo diante da falta de interação em alguns casos, que a fonte de sofrimento esteja na boca.

A família de Francesco Lo Schiavo, de 83 anos, viveu algo assim. Sua filha, a empresária Giselle Costa Lo Schiavo, conta que, por causa do Alzheimer, diagnosticado em 2018, seu pai deixou de falar. Mas, além de caretas, ele por vezes colocava a mão na boca, o que levou à suspeita de que Francesco precisava de tratamento dentário.

Márcia e Thais identificaram cáries em vários dentes do italiano – Francesco nasceu em Battipaglia, na província de Salerno. O diagnóstico implicou restaurações e a recomendação irremediável de quatro extrações. As dentistas entraram em contato com o cardiologista dele, em função de o idoso ter uma válvula no coração e usar anticoagulante há certo tempo.

As dentistas Márcia Borghi e Thais Mesquita atendem, em casa, o paciente Francesco Lo Schiavo, de 83 anos, que convive com o Alzheimer. Foto: Taba Benedicto/ Estadão

Dependendo do tratamento, a troca de informações entre os profissionais que acompanham o idoso é recomendável, devido às comorbidades que afetam esses pacientes. Mas Márcia lembra que há quadros que muitas vezes pedem prioridade máxima, emergências que nem sempre são percebidas como tal pelos colegas da medicina. “Já atendemos um senhor numa casa de repouso que estava com um dente pendurado”, diz ela. “O dente poderia cair e ser aspirado para o pulmão, mas o médico que o atendia não quis autorizar o tratamento por não entender o alcance do risco.”

Se, por parte dos dentistas em geral, há a sensação de que só são procurados no auge da dor, entre os odontogeriatras paira a certeza de que, além de tudo, falta informação sobre a importância do cuidado redobrado com a saúde bucal idosos.

Envelhecimento saudável passa pela boca

“Normalmente, a população acha que a cavidade bucal não faz parte do corpo, é como se não estivesse integrada a ele”, afirma Antonio Carlos Moura de Alburquerque Melo, odontogeriatra do Recife. “Mas a boca também sofre um processo de envelhecimento, como a perda de força muscular da língua, que é um músculo importantíssimo para a deglutição”, descreve. O dentista pode observar essa situação a partir de engasgos do paciente e, então, trabalhar em parceria com um fonoaudiólogo, assim como avaliar o quanto a ausência dentária e a pouca salivação estão dificultando a formação do bolo alimentar, o que pode estar dramatizando a situação.

Melo pontua que muitos pacientes ainda reproduzem, sem saber, o preceito mor da política “doeu, arranca”, de se livrar do incômodo por meio de uma odontologia mutiladora. Esses pacientes têm a prótese como objeto do desejo. “No passado, eram extraídos muitos dentes sem necessidade”, diz.

Isso foi melhorando com o avanço da ciência e da tecnologia, mas, ainda assim o cenário não é dos mais promissores. Dados de 2021 do Global Burden of Disease (GBD) mostram que o Brasil está em terceiro lugar com a maior proporção de pessoas desdentadas, cerca de 22 milhões. O número deve dobrar nas próximas décadas, como resultado do aumento populacional e também de uma política de prevenção falha. Quando se fala em desdentado, entende-se a ausência de alguns ou de todos os dentes.

Embora grande parte do edentulismo (perda de dentes) ainda possa ser atribuído à cárie, a periodontite tem sido a principal causa entre adultos e idosos. Trata-se de uma infecção grave da gengiva, por vezes silenciosa, que tem ligação íntima com a falta de escovação.

Odontogeriatras atentam para a ideia corrente entre cuidadores de que um idoso sem dentes ou que se alimenta por sonda enteral, por exemplo, esteja livre da escovação diária, seja no hospital ou em casa. Nesses casos, a escovação também é preconizada e deve ser feita com uma escova pequena e de cerdas macias, utilizando creme dental com flúor e finalizando com gaze.

Ocorre que nem sempre um idoso com demência se deixa escovar, muito menos aceita a aproximação de um motorzinho. Depois de alguns tapas e mordidas, Márcia e Thais desenvolveram estratégias que facilitam o atendimento desse paciente. “Por vezes, basta mostrar uma escova de dentes para o idoso abrir a boca”, afirma Márcia, como se o registro da escovação permanecesse como memória fossilizada. Em outras situações, é necessário acessar a boca do paciente com jeito e colocar entre os dentes uma pequena borracha, que elas chamam de mordedor. Dessa maneira, a pessoa pode manter a boca aberta e com o máximo de conforto possível enquanto é feita a limpeza e o tratamento.

A dupla deixou um mordedor com a cuidadora de Francesco, assim como reforçou a importância da escovação para outra cuidadora durante a visita domiciliar a Sandra Maria Zanardi Gomes da Silva, de 76 anos, que também sofre de demência. A visita foi rápida porque era apenas o teste de uma nova prótese removível. A anterior, muito antiga, estava quebrada. Associada à escovação deficiente, deu vazão ao surgimento de fungos pela boca, quadro tratado com um antifúngico.

Já o odontogeriatra recifense, que trabalha não apenas em domicílio e consultório próprio, mas também coordena a residência multiprofissional em terapia intensiva no Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco, destaca que, em casos mais graves, nos quais um paciente com múltiplos focos de infecção não colabora de jeito algum, é possível, de comum acordo com a equipe médica, fazer uma adequação bucal intensiva em um day clinic. O paciente entra e sai do hospital no mesmo dia.

“Costumo usar uma escadaria para ilustrar a situação de um idoso com comorbidades que sofre um revés na saúde, por exemplo”, diz Melo. “Depois desse problema, que pode ser literalmente uma queda, ele não consegue mais voltar ao topo da escada, perde a mobilidade que tinha, fica inviável sua ida ao consultório. O dentista tem de se moldar à nova situação e ir ao domicílio dele, à instituição em que está morando ou, então, no hospital onde está internado. Quem trabalha com geriatria, enfim, precisa ser um profissional com multifacetas.” Segundo o site do Conselho Federal de Odontologia, há 351 odontogeriatras assim registrados no Brasil.

Fonte: Externa

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