Miguel Pinto GuimarãesFundador da MPG Arquitetos
Nos seus 30 anos de trabalho, criando e tocando projetos – cerca de 800, no Brasil e no exterior, muitos deles premiados –, o arquiteto e urbanista carioca Miguel Pinto Guimarães buscou sempre uma “casa brasileira” onde a prioridade fosse o “bem-viver”. O que significa, na definição de sua empresa, a MPG Arquitetos, “proporções materiais alinhadas à arte e ao design”. Foi desses princípios que nasceu, em 2018, a startup Opy Soluções, que ele divide com os sócios Sergio Conde Caldas e João Sousa Machado.
A Opy faz parte do consórcio que venceu licitação da prefeitura carioca para gerir o Parque Jardim de Alah por 35 anos. O resultado da parceria público-privada saiu ano passado e terá, como missão, a revitalização do espaço, localizado na zona sul do Rio de Janeiro. O projeto, segundo Guimarães, representa “a democratização do espaço público”, muito mais do que, simplesmente, uma ligação entre bairros. A ideia, destaca o arquiteto, é “inserir classes menos favorecidas” naquele trecho entre Ipanema e Leblon – no qual moradores da sofisticada Vieira Souto e os da zona norte se cruzam até chegar na mesma praia, “onde o uniforme para todos é uma bermuda e um chinelo”. A seguir, trechos da entrevista:
Ao comemorar os seus 30 anos de profissão, o que acha que mudou nesse período?
O Brasil começou a investir um pouco mais em espaço público, com obras de grande porte e escala – e deixando para trás um hiato nos anos 1980-90, quando o grande protagonista foi a arquitetura residencial. Essa foi a grande mudança, a volta dos grandes arquitetos a projetos urbanísticos. Empresários, governos e sociedade civil passaram a entender a importância de inserir comunidades menos favorecidas, de criar uma relação entre democracia e espaço. O espaço tem o poder de organizar a vida do cidadão e, assim, com uma consciência melhor, ele passa a cobrar melhores serviços, melhor atendimento.
É o caso do projeto do Parque Jardim de Alah, que estão começando a tocar no Rio?
Sim. Ele busca conectar os dois bairros mais valorizados da cidade, Ipanema e Leblon. Liga os 700 metros entre a praia e a Lagoa Rodrigo de Freitas.
Fará a integração entre os dois bairros?
Mais que isso. Pretendemos um urbanismo social, para a democratização do espaço público. Por exemplo, vai dar acesso à população do conjunto habitacional Cruzada São Sebastião, construído por dom Helder Câmara nos anos 50, no Leblon. Ali vive hoje uma comunidade de classe média baixa. E o projeto vai oferecer creche, ginásios, quadras poliesportivas, programas culturais, além de uma escola de primeiro grau. Vai ser talvez o maior manifesto de espaço democrático do mundo, onde as pessoas da zona norte e as daquela área dividirão a praia usando o mesmo figurino, uma bermuda e um chinelo.
Nesses tempos, cabe a pergunta: é um projeto provadamente sustentável?
O projeto atende aos 17 ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU, como assinalou em uma das reuniões o economista Sérgio Besserman. Já atuamos em muitas consultorias internacionais e podemos assinalar: pouquíssimos projetos no mundo conseguem atender a todos os 17 pontos citados pela ONU. Que incluem itens como a vida marinha, presente no oceano, que oxigena a Lagoa Rodrigo de Freitas e vice-versa. E a erradicação da fome, pois teremos até uma horta comunitária.
Vocês usaram a “Mip” para o projeto. O que é isso?
É uma Manifestação de Interesse Privado. Quando alguém da sociedade civil apresenta à prefeitura um projeto detalhado para a cidade. Se ela gosta, abre uma concorrência — e outros interessados podem entrar na disputa. Escritórios do Rio já usaram muito isso na concessão de parques em São Paulo. Em 2020, apresentei a ideia (do Jardim de Alah) ao empresário Alexandre Accioly, montamos um time com outros grandes nomes, como o DC Set, do Dody Sirena. Ganhamos a licitação, no valor de R$ 110 milhões, mais R$ 20 milhões para manutenção do parque. Também haverá uma operação comercial – mercados, ruas para pedestres com lojas, cafés e restaurantes. E incluímos no projeto um parque de esculturas, com curadoria de nomes como Vik Muniz e Beatriz Milhazes.
Como foi a receptividade dos moradores, do bairro e do entorno?
Conversamos nesse processo com todas as instituições, além de fazer as audiências públicas. Muitas das propostas ouvidas foram absorvidas no edital. Temos apoio das associações de moradores do Leblon, de Ipanema, da Cruzada São Sebastião, da Selva de Pedra e da Gávea. A dos moradores e defensores do Jardim de Alah, criada para combater a concessão, já veio com o advogado – e nenhum morador para nos ouvir. Mas estamos confiantes, no âmbito jurídico, pois o projeto é todo correto, com apoio até de setores da arquitetura e das universidades.
Quando vão começar as obras?
Já começaram neste início de abril, e a operação já está em nossas mãos, como a segurança, que é privada, e a iluminação. Já começamos o levantamento da rede subterrânea. Serviços prévios à obra já estão em processo de licenciamento.
Pelo visto, vai ser uma longa jornada, exige coragem.
Somos empresários cariocas, apaixonados pelo Rio, temos certeza de que este parque é um presente para a cidade. Vai resolver um problema histórico, integrando uma comunidade para que use um espaço público que é dela também. Para quem mora na Cruzada São Sebastião, a distância da caminhada até o parque é a mesma da minoria reclamante. Então, é uma utopia, sim. E a gente não entraria num projeto como esse se não acreditássemos no sonho.