Cinco alvos da Operação Fim da Linha, que investiga suspeitas de ligação entre duas empresas de ônibus de São Paulo e o Primeiro Comando da Capital (PCC), fizeram doações de campanha ao diretório municipal do antigo DEM, na época controlado pelo presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite, e a um ex-vereador do PT nas eleições de 2020. Os políticos dizem que valores foram declarados e não há irregularidades (veja abaixo).
Entre os doadores que estão na mira do Ministério Público aparecem o presidente da Transwolff, Luiz Carlos Efigênio Pacheco, conhecido como Pandora, e o diretor da Cooperpam, Robson Flares Lopes Pontes. Os dois foram presos preventivamente nesta terça-feira, 9. O Ministério Público acusa as duas companhias de conduzirem um esquema de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas na capital paulista. Outra empresa supostamente envolvida é a UPBus.
Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que Pandora doou R$ 75 mil para a campanha de reeleição, em 2020, do vereador Antonio Donato (PT), que hoje é deputado estadual em São Paulo. Quatro anos antes, o político já havia recebido uma doação de Jeová Santos da Silva, outro denunciado pelo MP, no valor de R$ 10 mil. Donato é um dos coordenadores de campanha do pré-candidato a prefeito Guilherme Boulos (PSOL), que conta com o apoio do PT na disputa.
Em nota, o deputado afirmou que foi procurado por Pacheco antes das eleições de 2020 porque ele “queria fazer doação para um candidato de oposição”. Donato declarou ainda que a “referida doação foi feita de forma legal e devidamente registrada junto à Justiça Eleitoral”. Procurado novamente para explicar sobre a doação anterior de outro denunciado no caso, o deputado reafirmou que todas as doações foram devidamente declaradas e que, na época, “não tinha ciência de nenhum problema dele com a Justiça”.
Outros investigados fizeram doações de campanha ao diretório municipal do Democratas, partido que se posteriormente se fundiu com o PSL, formando o União Brasil. Na época, o diretório era presidido por Milton Leite, atual presidente da Câmara de São Paulo e um dos principais aliados do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Ele é quem assina os recibos de boa parte dos recursos que entraram no caixa do partido naquele ano.
O Estadão constatou que o antigo DEM da cidade de São Paulo recebeu R$ 50 mil de Moisés Gomes Pinto e R$ 40 mil de Cícero de Oliveira, dois sócios da Transwolff que estão na mira do MP e foram afastados da diretoria da empresa por ordem da Justiça. A sigla contou ainda com R$ 20 mil de Jeová Santos da Silva, o mesmo que doou a Donato, em 2016, e mais R$ 15 mil de Robson Flares Lopes Pontes, que agora está detido aguardando o desenrolar das investigações.
“Todas as doações de campanha ao partido foram feitas legalmente e declaradas à Justiça Eleitoral, que julgou regulares as contas. Portanto, não há nenhuma irregularidade. Sócios da mesma empresa doaram a outros candidatos e partidos políticos, como o PT”, justificou-se Milton Leite, também por meio de nota, encaminhada pela assessoria da Presidência da Câmara.
O DEM também recebeu R$ 60 mil de Edimar Martins Silva, que figura nas investigações como um suspeito de atuar como uma espécie de “laranja” da companhia na suposta organização criminosa. Apesar de ele não aparecer na lista de 29 denunciados pela Promotoria, Edimar teve os bens bloqueados. A vultosa quantia destinada ao partido chamou a atenção do Ministério Público, sobretudo diante do fato de que o investigado não apresenta patrimônio condizente com uma doação desse porte.
Outras pessoas ligadas à Transwolff doaram para o partido então liderado por Leite, como Abraão Machado da Silva, Eric Colla e Helena Cristina Reis Magela. Eles, no entanto, não foram citados diretamente na denúncia apresentada pelo MP. Considerando todas essas doações, o montante recebido pelo DEM naquele ano chega a R$ 210 mil.
Dinheiro parou na conta de vereador
A análise da prestação de contas apresentada pelo antigo DEM ao TSE mostra que o dinheiro dessas doações foi parar na conta de alguns candidatos específicos. Um deles é o vereador Adilson Amadeu (União Brasil), que foi contemplado pelo recurso doado por Moisés Gomes Pinto, na ordem de R$ 50 mil.
A assessoria do vereador não retornou o contato do Estadão. Ao site Metrópoles, Amadeu disse que o dinheiro foi encaminhado pelo partido, de forma indireta, e que todas as doações “foram públicas e contabilizadas, respeitando a legislação vigente e aprovadas pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral)”.
Quem recebeu o dinheiro de Robson Pontes, da Cooperpam, foi o jornalista Marcelo Elias Cury. O recibo mostra que os R$ 15 mil de Robson e também R$ 30 mil de Edimar, metade do total doado por ele ao partido, foi encaminhado para a sua conta de campanha. Ele concorreu com a alcunha de “Xerife Marcelo Cury” e recebeu apenas 965 votos. Ele não foi localizado.
A reportagem não encontrou nos documentos comprobatórios a destinação dos recursos de todos os possíveis envolvidos no esquema. Isso pode estar relacionado tanto a uma falta de transparência quanto ao emprego do recurso pelo partido. Há casos em que as contratações são feitas diretamente pelo diretório, a fim de produzir materiais de campanha ou para arcar com despesas básicas, por exemplo.
O presidente da Câmara, Milton Leite, recebeu R$ 300 mil do diretório municipal do DEM naquela eleição, mas o recurso foi declarado como proveniente do fundo partidário, e não das doações de campanha. A vereadora Sandra Tadeu (PL), que recebeu R$ 115 mil da representação do partido na cidade, se enquadra na mesma situação. Além de Milton, Sandra e Adilson, o partido também elegeu Ricardo Teixeira e Eli Corrêa (União Brasil) naquele pleito; os cinco cumprem mandato na Casa.
Até mesmo o ex-prefeito Bruno Covas (PSDB), que venceu a disputa pela prefeitura com Ricardo Nunes (MDB) de vice, teve o caixa reforçado por R$ 64 mil do DEM municipal em 2020. A origem do recurso foi declarada como sendo o fundo partidário, que tem uma conta bancária à parte. De fato, há uma transferência ao caixa de Covas no extrato bancário dessa conta destinada ao fundo partidário, o que reforça o relato.
Entenda o caso
O Ministério Público de São Paulo denunciou 29 pessoas, incluindo sócios das empresas de ônibus Transwolff e UPBus, por suspeita de envolvimento com o PCC. Eles são acusados de organização criminosa e lavagem de dinheiro. As denúncias são desdobramento da Operação Fim da Linha, deflagrada nesta terça-feira, 9, para desbaratar o esquema.
As empresas mantinham contratos de transporte com a Prefeitura de São Paulo e com municípios do Vale do Ribeira desde 2015. Não há agentes públicos entre os denunciados. Cabe agora à Justiça de São Paulo decidir se aceita ou não as denúncias. Se as acusações forem recebidas, as ações penais serão abertas.
Os promotores de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) afirmam que o PCC se “infiltrou” no setor de transportes. Segundo as denúncias, membros da facção criminosa controlam as empresas por meio de uma rede de laranjas e empresas fantasma.
As duas empresas juntas transportam, em média, mais de 16 milhões de passageiros por mês em São Paulo. No ano passado, a Prefeitura repassou R$ 748 milhões em recursos do sistema de transporte para a Transwolff, que tem 1.111 ônibus na zona sul, e R$ 81,8 milhões para a UPBus, com seus 138 ônibus na zona leste.
Após ordem judicial, a Prefeitura de São Paulo decretou intervenção nas duas empresas, que passam a ser geridas por diretores da SPTrans auxiliados por um comitê formado por servidores da Controladoria Geral do Município (CGM), da Procuradoria Geral do Município (PGM) e da Secretaria Municipal da Fazenda e Planejamento.