Quando pensamos em alimentação saudável, focamos no cardápio e pouco refletimos sobre os materiais que estão em contato com os produtos, como embalagens e utensílios de cozinha. Mas isso pode ser um erro. Cada um deles é composto por diferentes substâncias químicas, que podem ser transferidas para a nossa refeição. Por isso, especialistas destacam a importância de pensarmos também no material e na qualidade das panelas.
Esses utensílios podem tanto trazer benefícios quanto danos ao serem utilizados nos preparos. É o que explica Alda dos Santos, pesquisadora do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) e doutora em Química de Produtos Naturais. A cientista alerta que, no rol dos tipos preocupantes, devemos dar atenção àqueles que contêm metais pesados, como chumbo, mercúrio e níquel, que são substâncias tóxicas para o nosso organismo.
Entre os materiais protetores, ela dá destaque para as panelas de ferro, que podem aumentar a ingestão do mineral, um aliado no aumento da energia e da disposição física e mental.
Claramente, observar esses aspectos é importante. Apesar disso, é preciso parcimônia. A questão não é motivo para sair jogando as panelas de casa fora. Eliana Giuntini, nutricionista e pesquisadora do Centro de Pesquisa em Alimentos da Universidade de São Paulo (USP), pondera: os níveis de metais liberados por panelas geralmente não são suficientes para comprometer a saúde da população.
Para a nutricionista, o mais importante mesmo é manter alguns cuidados, como evitar arranhões, que podem contribuir para a liberação de substâncias indesejadas. Ainda assim, vale ficar de olho nos riscos e benefícios de cada tipo de material. Veja abaixo.
Alerta vermelho na cozinha
Segundo especialistas, as panelas com maior potencial para prejudicar a saúde incluem:
Panela de alumínio
Comparado a outros materiais como o aço inoxidável ou ferro fundido, as panelas de alumínio geralmente apresentam um custo mais baixo. Quando feitas com material de qualidade, não apresentam riscos importantes à saúde. No entanto, uma preocupação as coloca entre as piores panelas para a saúde: a possibilidade de liberação de íons de alumínio nos alimentos.
É que o alumínio, como explica Adriana Pavesi Bragotto, engenheira de alimentos e professora da Universidade de Campinas (Unicamp), está associado a potenciais efeitos adversos no sistemas nervoso e renal, podendo se acumular no organismo. Além disso, segundo Alda, a ingestão em excesso dessa substância pode estar ligada à ocorrência de doenças como o Alzheimer e alguns tipos de esclerose.
Adriana destaca que, em condições normais, a migração do alumínio para o alimento normalmente é baixa, sendo maior para alimentos ácidos, como molho de tomate. Mas com o uso e manutenção inadequados, essa transferência pode ser maior.
Outro aspecto perigoso, destacado pela especialista em química do IFMG, é que as panelas desse material, fabricadas no Brasil, geralmente são feitas a partir de alumínio reciclado, que nem sempre é de boa procedência e pode conter a presença de outros metais, ainda menos seguros à saúde.
Panela de aço inoxidável (com níquel)
Segundo a nutricionista Eliana Giuntini, alguns estudos mostram que, em condições normais de uso, as panelas de aço inoxidável apresentam maior resistência à corrosão que as de alumínio, o que promove mais segurança para a saúde humana. Entre as vantagens de seu uso, está também a alta resistência à oxidação (para não enferrujar) e rapidez para esquentar os alimentos.
O problema é que, para alcançar esses benefícios, costumam ser acrescentados os metais cromo e níquel ao aço, além de, em menores doses, o cobre. O químico Marcelo Morgano, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL) de São Paulo, explica o motivo. “Devido ao aço não ser um bom condutor de calor, as panelas de aço inox são elaboradas com fundo triplo, ou seja, o fundo contém uma camada de material que compensa a deficiência na condutibilidade do calor”.
Apesar de a panela de aço inox ser de boa qualidade, caso seja consumido em grandes quantidades ou por alérgicos, o níquel presente na maior parte delas pode ser muito tóxico. A Ficha de Informação Toxicológica da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) destaca que esse metal é classificado como possível cancerígeno para o ser humano e reitera que ele pode ser transferido para os alimentos por meio de embalagens e das panelas de aço inox.
Ao escolher essas panelas, informe-se sobre o tipo de aço com o qual ela é feita. Evite panelas de aço “301″, que podem conter níveis prejudiciais de níquel e baixa quantidade de cromo, o que compromete sua resistência à corrosão e representa um risco à saúde. A especialista Alda indica as panelas de aço da série “304″ como as mais seguras.
Outra opção segura, segundo a especialista, são as panelas da série “420″, livres de níquel, mas com a desvantagem de uma menor resistência à oxidação. Segundo Alda, você também pode observar a graduação de níquel e cromo nos utensílios, priorizando graduações com a indicação “18/8″ no rótulo. Isso significa que a panela possui 18% de cromo e apenas 8% de níquel, um nível mais seguro.
Panela de pedra-sabão (esteatito)
As panelas de esteatito são feitas de uma rocha macia e fácil de esculpir e moldar, o que lhe rendeu o nome de “pedra-sabão”. Elas têm a vantagem de ser naturalmente antiaderentes, mas a desvantagem de facilmente trincar com o tempo de uso.
Apesar disso, o ponto de preocupação mesmo é que, segundo Morgano, alguns estudos evidenciaram a migração de diferentes elementos dessa rocha para os alimentos, principalmente quando são preparados alimentos ácidos.
Entre os principais elementos, ele destaca que alguns são considerados nutrientes, como o cálcio, magnésio, ferro e manganês, mas também foi notada a presença do contaminante níquel em refeições preparadas nessas panelas.
Morgano diz, ainda, que a pedra-sabão pode apresentar também o cobalto em sua composição, uma elemento apontado por estudo encomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2022 como provável causador de câncer.
Panela antiaderente de Teflon
Esse material está envolvido em muitos mitos e assusta muita gente. Isso porque, no passado, o Teflon, nome comercial do politetrafluoretileno (PTFE), continha em sua composição o ácido perfluorooctanóico (PFOA), uma substância nociva à saúde. No entanto, isso ficou para trás. Segundo o Food Safety Brazil, panelas com PFOA não são mais fabricadas desde 2015.
Isso significa que continua sendo importante ter atenção aos modelos mais antigos dessa panela. Como destaca Eliana, estudos com PFOA em animais mostraram que esses compostos podem ser relacionados a doenças cerebrovasculares, deficiência imunológica, diabetes e câncer.
No entanto, não é necessário pânico. Ela chama atenção para o fato de que muitas dessas doenças não podem têm como causa um único fator, como o consumo dessa substância.
Além disso, segundo a nutricionista, os estudos sobre os efeitos do PFOA que foram feitos em humanos envolveram trabalhadores expostos a altas concentrações desses produtos. Esse cenário é diferente da exposição usual da população, que é em quantidade pequenas, mesmo que ao longo do tempo.
Já Alda destaca que o material de hoje é seguro, mas o Teflon ainda pode liberar gases tóxicos em caso de superaquecimento (acima de 260°C). Segundo Adriana, a preocupação é com a migração de substâncias fluoradas para os alimentos, compostos associados com potenciais efeitos adversos no fígado e sistema imune. Entretanto, ela aponta que os estudos disponíveis indicam que apenas quantidades relativamente pequenas de substância tóxicas são transferidas para a comida durante o cozimento.
Panela de cobre e latão
Neste caso, a depender do tipo de alimento preparado e da qualidade da panela, pode haver liberação excessiva de íons de cobre, causando malefícios à saúde. Para ter ideia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabelece que embalagens e equipamentos metálicos feitos com cobre, latão ou bronze só podem ser comercializados se revestidos integralmente por uma capa de ouro, prata, níquel ou estanho tecnicamente puros.
Por essa razão, antes de adquirir utensílios feitos com esses materiais, é importante conferir se o revestimento e a marca que está comercializando o produto são confiáveis. Morgano destaca que a sua ingestão contínua em quantidades inadequadas pode causar dano renal (cirrose), alteração osteoarticular e dores nas juntas.
Vale destacar que o cobre presente na composição dos utensílios domésticos pode migrar principalmente para os alimentos ácidos e aquosos.
As aliadas
Algumas das panelas consideradas mais seguras e livres de possíveis malefícios são:
Panela de ferro fundido
A receita já é promovida há anos pelas nossas avós: cozinhar em panela de ferro para aumentar a quantidade do mineral na comida. Mas embora muitos achem que é mito, como destaca Alda, pesquisas apontam que a panela de ferro fundido, de fato, libera ións de ferro, que incrementam os alimentos durante o cozimento.
De acordo com a cientista, esses íons são facilmente absorvidos pelo organismo e contribuem para o aumento da ingestão de ferro na dieta diária, o que é muito positivo, especialmente para pessoas com anemia ferropriva.
Entre as suas desvantagens, estão o alto preço e baixa resistência à oxidação (enferrujam muito fácil). Além disso, altas concentrações de ferro podem ser prejudiciais para algumas pessoas.
Panela de vidro
Já a panela de vidro é uma das mais recomendadas. Isso porque não libera metais e nem outras substâncias. É composta por material inerte, ou seja, que não faz reações químicas ou é corroído com facilidade.
Por isso, a panela de vidro é considerada um instrumento totalmente seguro para o preparo da comida. Como desvantagem, há o fato de que possui um material frágil e que não distribui bem o calor.
Um alerta é que ela deve ser feita de um vidro temperado, do contrário, a temperatura da chama pode quebrá-la, principalmente durante o preparo de alimentos mais aquosos.
Panela de cerâmica
Enfim, chegamos à panela mais famosa do momento. A cerâmica adquiriu muita fama nos últimos anos, a partir da crença de que é um material mais seguro para a saúde, ao passo em que também tem função antiaderente.
Ela realmente é uma opção segura e saudável para cozinhar. Não à toa, é uma das mais recomendadas. Mas é importante considerar algumas desvantagens e precauções:
As versões recomendadas como mais seguras são aquelas totalmente feitas em cerâmica e não apenas revestidas, pois o revestimento pode ser desgastado com o uso e possibilitar o contato com o material que está por baixo, que pode ser composto por metais pesados.
Além disso, por ser porosa, a cerâmica pode favorecer a proliferação de microrganismos se não for higienizada corretamente. Portanto, deve ser sempre lavada com cuidado após o uso, com detergentes neutros, e só deve ser guardada quando estiver completamente seca.
Como evitar riscos associados ao uso de panelas?
Em prol da saúde, é importante adotar práticas que minimizem a liberação de metais tóxicos durante o cozimento e a limpeza dos utensílios. Segundo Eliana Giuntini, essa liberação tende a ser mais acentuada em panelas novas.
Ela conta que estudos mostram que o uso repetido de panelas de aço inoxidável, alumínio e liga de cobre reduz a liberação de metais tóxicos. Além disso, a manutenção adequada desses utensílios é importante para evitar problemas. Por isso, alguns cuidados indicados pela nutricionista são:
Cuidados com panelas novas
Antes de serem usadas, panelas novas de pedra sabão e aço inoxidável devem passar por processos de fervura de água para ajudar a liberar e eliminar níquel, que é um metal tóxico;
Além disso, antes de comprar panelas de inox, uma dica é usar um imã para verificar se a panela contém níveis prejudiciais de níquel. Se o imã grudar, indica que a sua presença é alta, portanto, evite.
Na hora de cozinhar
- Panelas de pedra-sabão e ferro devem passar por processo de cura com óleo e aquecimento, o que aumenta a resistência à liberação de metais presentes;
- Panelas de Teflon não devem ser pré-aquecidas. Como o superaquecimento danifica o seu material antiaderente, podendo liberar vapores tóxicos, não se deve colocá-las vazias no fogo antes da preparação dos alimentos;
- Panelas revestidas de cerâmica não podem sofrer arranhões ou ser alvo do uso de utensílios que possam comprometer a integridade do material.
Limpeza
- Evite substâncias ácidas: o uso de vinagre e limão, para ajudar na limpeza interna, principalmente nas panelas de aço inox e alumínio, pode provocar liberação de algum metal tóxico;
- Cuidado com arranhões: nada de esponjas de aço em panelas de aço ou alumínio;
- Limpeza geral: opte por esponjas macias e detergentes neutros.
Em geral, Morgano destaca que o problema com elementos inorgânicos tóxicos, como o cromo e o níquel, é que eles podem se acumular no corpo ao longo do tempo, mesmo que em pequenas exposições.
Isso pode levar a danos à saúde humana de diversas formas, incluindo o câncer. Os cuidados são importantes, pois essa acumulação e os danos resultantes dela podem ter impactos sérios na saúde ao longo do tempo.